terça-feira, 13 de novembro de 2007

Questão de cidadania

Anderson Oliveira é um amigo que encontrei por acaso no Orkut (sim, acredite se quiser!). Com uma conversa aqui, uma ilustração acolá, livros em comum e passeio na Pinacoteca, aos poucos as afinidades foram revelando-se. Simpatia em pessoa foi ele que, a pedido meu, escreveu o belo texto abaixo.


A cidadania brasileira através de um esporte bretão

Eu adoro futebol. Quem me conhece sabe bem disso. E eu sou um entre bilhões de pessoas apaixonadas em todo o mundo. E, mais especificamente ainda, um entre milhões no Brasil. Em nosso país, isso é quase uma tradição familiar: a escolha de um time logo cedo, geralmente com os pais incentivando o pequeno rebento a torcer por seu time de coração. Às vezes não dá certo. O moleque acaba torcendo pro time rival. Coisas da vida. Coisas do Brasil, como já disse Guilherme Arantes. O futebol, que tem suas raízes fincadas na cultura bretã de séculos e séculos atrás, encontrou no Brasil o seu berço mais ilustre, levando multidões aos estádios e, com o tempo, ocupando um espaço imbatível no inconsciente coletivo do povo. Eu vejo o futebol como a maior forma de expressão de cidadania de nosso povo. Os ingleses vão ao teatro, os americanos vão ao cinema para experimentar esse momento de convívio com o outro, essa repartição de experiências. A coisa de fechar-se numa sala escura, com várias outras pessoas e mergulhar numa história por horas. Os brasileiros, por sua vez, vão ao estádio de futebol. Depois de uma semana pegando aquele ônibus lotado, enfrentando mil dificuldades para ganhar o seu sustento, quando chega o final de semana, ah, que coisa fantástica! É dia de Maracanã com a família e os amigos!
Eu sempre me emociono ao ver as gerais – local do estádio bem próximo da lateral do campo e onde os ingressos são mais baratos – com seus folclóricos personagens. Pessoas cheias de fé e alegria, com santos nas mãos, fantasias, olhos atentos no gramado, sofrendo, gritando, xingando e comemorando com os jogadores dos seus times. E essa paixão pode ter ganhado essa força descomunal justamente por uma tragédia: a final da Copa do Mundo de 1950. No Maracanã, quase 200 mil brasileiros assistiram, calados e chorosos, o Uruguai bater a nossa Seleção, de virada, por dois tentos a um. Os uruguaios chamam esse evento cataclísmico, até hoje, de Maracanaço! E o foi mesmo. Nossos vizinhos “celestes” despertaram um gigante. O Brasil passou a ser a “pátria de chuteiras”, um ícone que representa a prática primorosa desse esporte. A camiseta amarela virou um símbolo, uma idéia.
Mas é uma pena que todo esse potencial não andou junto da educação. Nos EUA, os atletas da NBA são todos formados academicamente, pois lá a carreira no basquete começa justamente nos times universitários. Acontece algo parecido na Europa relacionado ao futebol. Os jogadores têm suas formações acadêmicas, pois sabem que não poderão depender do futebol para o resto de suas vidas. São pessoas esclarecidas, conscientes de seu papel na sociedade e do seu valor como atletas que representam um time, uma marca. Simplesmente vivem o futebol com a mesma função do teatro na escola: fazer com que as crianças convivam entre si, aprendendo a conhecer e valorizarem a si mesmas e as diferenças dos outros. Aqui no Brasil é diferente. Os praticantes profissionais de futebol são, de maneira geral, pessoas carentes, de pouco estudo e que são facilmente ludibriados por gananciosos empresários. O dinheiro, por conta da globalização, está consumindo todos os valores, inclusive com o conceito puro e simples da prática esportiva, a busca da perfeição e harmonia entre corpo e mente. O lucro vem em primeiro lugar agora.
Educação para as pessoas? Que nada. Elas não precisam disso. Precisam apenas de uma distração, não é verdade? E é incrível que elas passem dificuldades porque depois, com umas poucas cestas básicas e camisetas, angariamos os seus valorosos votos!
E agora no final de outubro a FIFA – órgão que rege o futebol no mundo – declarou o Brasil como sede da vindoura Copa de 2014. Que maravilha! O maior boom deu-se em nossa mídia. Planos e mais planos são apresentados a todo instante. Construções de metrô, estradas, hospitais, estádios e toda a infra-estrutura que um evento desse porte exige. Mas é preciso sediar uma Copa para que isso aconteça? A nossa população não merece essa dignidade?
Não, é claro que não. Não nesta realidade em que vivemos, neste sistema que foi construído ao nosso redor, por nós mesmos, o que é pior. Sistema esse fadado a consumir a humanidade se nada for feito. Se uma mudança de pensamento e atitude não for efetuada. Os sapatos ou os brincos novos de Paris Hilton precisam sair do destaque dos tablóides. A ausência da calcinha de Flávia Alessandra numa festa não importa, a não ser para o marido dela. A futilidade e a banalidade que rega o nosso dia-a-dia (que poderia ser tão mais rico!) precisa ser extinto para sempre.
Eu adoro futebol. Quem me conhece sabe muito bem disso. E eu trocaria, fácil, as nossas cinco estrelas de melhores do mundo no futebol por um país novo, mas com o mesmo povo, com sua miscigenação maravilhosa e rica, porém, mais consciente, mais cidadão e muito, muito mais feliz.

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