segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Cruzamento

O velocímetro do carro marcava 80 km por hora quando se aproximava do cruzamento. Trocou a marcha e aos poucos foi diminuindo a velocidade. Farol fechado. Parou. Num gesto automático olhou para fora da janela e reconheceu o rosto dentro do carro preto ao seu lado. O vidro fechado, coberto com insul film, não permitia que um visse claramente o rosto do outro, mas mesmo assim, teve a sensação de que ele também a vira. Encontro dos olhos, um na direção do outro. Sentiu-se transportada para outra realidade, como naqueles instantes em que um clarão percorre todo o corpo e tem-se a sensação do momento preciso em que tudo poderia ter sido diferente. A mudança de planos, a permanência na cidade, o “sim” dito na conversa, apesar de todos os medos. Suspirou longamente e falou para si mesma “tudo poderia ser diferente”. Despertou de seus pensamentos com sons de buzina. Desviou o rosto e olhou para frente. Farol aberto. Engatou a primeira e arrancou o carro. Cada qual seguiu seu rumo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Conchas na areia

Ontem eu estava olhando as pedrinhas que tenho na cabeceira ao lado da minha cama e lembrei que certa vez (deveria ter 12 ou 13 anos) andava na praia, sozinha, a caminho do riozinho. Eu sempre recolhia conchas para levar para casa de recordação da viagem, mas aquele dia, quando olhei para as ondas quebrando na praia e as conchas fincadas na areia, detive-me em fitar uma em especial, demoradamente. Sua beleza se destacava de todas as demais. E então, quando pensei em pegá-la parei bruscamente. Não! Não era justo eu querer roubar tamanha obra-prima que a natureza esculpira com tanta primazia. O lugar dela era lá, embelezando o caminho de quem passasse, além do que, se eu a levasse embora, ela perderia o brilho e o encanto que a tornavam fascinante. O que muitas vezes não percebemos é que existem objetos, coisas, pessoas, que em nossa ânsia egoísta de amar queremos ter por perto, arrancar-lhes de seu mundo para satisfazer loucas vaidades e esquecemos que o lugar delas é lá, onde a natureza as conservou, porque só assim, livres para irem onde as "ondas do mar" a carreguem é que manterão o encanto imprevisível do caminho do viajor. Eu não peguei a concha e tão pouco me interessa seu destino. Talvez alguém a tenha pego, ou talvez, ela ainda esteja em algum lugar secreto do mar, esperando seu regresso a praia. Mas, independente do que aconteceu, eu nunca esquecerei a lição que ela me propiciou: Cada um tem seu caminho e não adianta querer mudar isso. Certas pessoas cruzam nossa existência tão rápido, porém permeiam para sempre a beleza, os sorrisos, as lágrimas, a felicidade, o companheirismo, a amizade... As maravilhas que este encontro permitiu.
[texto escrito dia 18/06/2005]

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Idéias sem tempo

"Qual é mesmo o caminho de Swann?"
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Leia o conto de Jeanette Beatriz Rozsavolgyi e entenderá como me sinto.

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Como se diz "eu te amo"

Meu irmão: “Mi, o quê você vai fazer agora? Ow, vamos assistir filme?”.

Pai: “Comprei aquela bolacha que você gosta. E tem sobremesa nova na geladeira, depois olha lá”.

Mãe: “Fala que eu sou linda e a melhor mãe do mundo!”.

Tio: “Mi, eu não achei a muda de Camélia que você queria, mas trouxe uma outra planta super bonita. Eu mesmo que plantei!”.

Tia: “Eu fiz sequilho pra você. Vem aqui para eu te dar”.

Vó: “Mi? Tá tudo bem? Quando você vem aqui ver a vó?”.

Irys e Vivi: “Vamos fazer amassa-amassa na tia!”.



Eu também amo vocês...

sábado, 6 de outubro de 2007

Pílula

Cartela de remédio em cima da mesa. O milagre da medicina. “Tome um comprimido de 12 em 12 horas para passar a dor”.
Mas a ferida está aqui: amarrada, costurada com o fio de nylon. Cicatriz eterna. Dor eterna.
Saudade que não passa.

sexta-feira, 5 de outubro de 2007

Sinal dos tempos

É preciso fazer uma canção
Um trato, uma entrega, uma doação
É preciso a chuva escura, a noite
A solidão
É preciso tudo agora
Um dissabor uma vitória uma confusão
A voz de um instrumento e a tua mão
Que nos faça acordar
Sim
Meias palavras não bastam
É preciso acordar
É preciso mergulhar mais que mil pés
Onde Netuno traça o rumo das marés
É preciso acertar a direção dos pés
Quando os velhos caminhos se esgotam
E os tempos não voltam
Não voltam
É preciso alcançar outra estação
Mesmo com sono mesmo cansado solto como um cão
É preciso o sol e a rua a tarde
A multidão
É preciso
Atravessar lá fora
Um corredor um rio da história uma revolução
O caos de uma palavra nova, um sim e um não
Que nos faça acordar
Sim
Meias palavras não bastam
É preciso acordar
É preciso mergulhar...


Antonio Villeroy

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Amor de longo alcance

Durante anos, separados pelo destino, amaram-se a distância. Sem que um soubesse o paradeiro do outro, procurava-se através dos continentes, cruzavam pontes e oceanos, vasculhavam vielas, indagavam. Bússola da longa busca, levavam a lembrança de um rosto sempre mutante, em que o desejo, incessantemente, redesenhava. Já quase nada havia em comum entre aqueles rostos e a realidade, quando enfim, numa praça se encontraram. Juntos, podiam agora viver a vida com que sempre haviam sonhado. Porém cedo descobriram que a força do seu passado amor era insuperável. Depois de tantos anos de afastamento, não podiam viver senão separados, apaixonadamente desejando-se. E, entre risos e lágrimas, despediram-se, indo morar em cidades distantes.

Marina Colasanti, Contos de Amor Rasgados.

segunda-feira, 1 de outubro de 2007

E a vida continua...

É estranho como em determinados momentos o mundo amanhece irreconhecível. A noite de sexta-feira embalada pelo rock dos anos 50, com direito a passinhos de dança engraçado, gargalhadas e a saia de uma amiga que caiu no meio da balada terminou numa batida de carro, amigos com dores musculares e alguns pontos na cabeça desta que vos escreve.
Voltávamos para casa conversando e rindo no carro, quando, de repente, ouvi uma batida. O carro rodou, os corpos bateram um nos outros. Era como uma cena de filme em que só vemos os pedaços sem entender direito o que está acontecendo. Quando finalmente o carro parou, ergui minha cabeça e vi o capô enterrado num poste.
Só depois soube que um taxista tentou nos ultrapassar na curva e bateu na lateral do carro. É estranho escrever tudo isso... Ainda parece um tanto surreal. Sempre achamos que esse tipo de coisa só acontece com os outros, nunca conosco.
Pessoas que eu nem tinha tanta amizade foram super prestativas. Levaram-me ao hospital, seguraram minha mão enquanto eu levava os pontos, me fizeram rir quando eu sentia dor. Enquanto isso, outros amigos esperavam o guincho no lugar do acidente, deram uma super força para o dono do carro.
Agora só tenho uma certeza: Graças a Deus estamos vivos! E devemos aproveitar a vida ao máximo... Nunca sabemos quando e como ela pode chegar ao fim...