terça-feira, 8 de setembro de 2009

Maktub

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Caminhávamos na praia ao entardecer. Os passos deixavam-se demorar na areia e o tempo corria mansinho, sem pressa para acontecer. “Quando viajo sozinho é como se me sacudissem e, aos poucos, fosse caindo tudo até ficar apenas o que é meu e o que sou”, me disse o Guillermo, numa mistura de espanhol com português. Eu sorri e confirmei com a cabeça, dizendo que era exatamente assim como me sentia. Longe de casa e dos rostos familiares tudo ia ficando mais nítido: os medos e anseios que eram meus e outros tantos que apenas fui aceitando categoricamente daqueles que me cercavam.
No dia seguinte, um morador da vila de pescadores me pediu para descrever as imagens que surgiam na minha mente quando me imaginava em uma floresta. Contei tudo o que via, sendo interrompida por algumas perguntas. “Tem muita luz? Como são as árvores? E a casa no meio do caminho?”. Ao terminar o relato, ele me olhou profundamente e foi delineando minha alma diante do meu rosto assombrado. Era espantoso como alguém que eu tinha acabado de conhecer conseguia me desnudar daquele jeito. “Essa sou eu, sou exatamente assim”, respondia atônita. O espanto era em dose dupla: era a segunda vez que aquilo acontecia comigo; tinha ouvido quase as mesmas coisas de um homem em outro canto do País há um ano atrás. E ambos cruzaram o meu caminho por acaso, sem eu perguntar ou dizer nada. "Existe alguém, mas ainda não está na hora", ecoava em meus ouvidos.
Um dia antes desse acontecimento, enquanto andava à beira do mar, me sentia aliviada por não ser a única em busca de algo que nem mesmo sabia o que era. “Às vezes preciso me permitir ficar um pouco longe de tudo e de todos”, expliquei ao Guillermo. O manto da noite ia se estendendo aos poucos no céu enquanto partilhávamos as agruras e as alegrias de caminharmos sós na imensidão do mundo. “Não quero ir embora”, reclamei. “Não pensa nisso agora”, ele me disse. Começamos a esfregar os pés na areia para ver a luz fluorescente dos plânctos e vimos estrelas cobrirem o chão.


6 comentários:

Raoní disse...

se estava associado ao substrato leitoso há uma chance maior de serem os bentos.... os planctons costumam ficar na coluna de água (são pelágicos manja) mas nao se exclue a possibilidade de serem fitoplanctons ou zooplanctons.

=) Beijaooo

Cecilia Nery disse...

Lindo, poético, encantador.
Estava escrito, com certeza.

Camila Fortunato disse...

“Quando viajo sozinho é como se me sacudissem e, aos poucos, fosse caindo tudo até ficar apenas o que é meu e o que sou" Esta frase fez com que me lembrasse de um poema de Alberto Caeiro(Fernando Pessoa):
"Procuro despir-me do que aprendi.
Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram,
e raspar a tinta com que me pintaram os sentidos,
Desencaixotar minhas emoções verdadeiras.
Desembrulhar-me e ser eu..."
Muito lindo mesmo! Gostei do seu blog,seus escritos...Vou linkar vc ok? E volto.
Até!
Camila

Camila Fortunato disse...

Oi Michele!
Eu moro,sim. Obrigada!:)
Que bom que gostou daqui.( Da cidade e do blog)
Abraço!

Michele Prado disse...

então, raoní, eu também fiquei em dúvida se eram realmente plânctos, já que eles ficam na água e não na areia (como você disse), mas um morador da região me contou que um biólogo foi até o local e realmente confirmou a existência do organismo. Então, imagino que seja um desses dois tipos que você citou.

que bom ter amigos inteligentes... =)

Ciça e Camila, muito obrigada pelos comentários.

carina gomes disse...

de arrepiar.
engraçado eu tb ter falado dessa coisa de ficar sozinha, longe dos olhares conhecidos e poder se conhecer melhor.
texto lindo. adorei todas as imagens descritas.
"agruras e alegrias de caminharmos sós na imensidão do mundo."