sexta-feira, 8 de junho de 2007

Lição catorze

Subi as escadas vagarosamente. Quando cheguei ao último cômodo da casa, olhei as pesadas caixas que me aguardavam. Me sentia numa expedição arqueológica, à procura de algum tesouro escondido, tão bem escondido, que eu nem lembrava mais que existia.
Retirei sacolas, pincéis, frascos de tinta, até enxergar a abertura das caixas de papelão. Não sabia exatamente o que tinha ido buscar ali, mas sabia que tinha que mexer, fuçar, olhar. Abri. Só encontrei material pedagógico, livros didáticos, carimbos, lápis de cor, provas e trabalhos de ex-alunos da minha mãe. As duas primeiras caixas só continham isso. Nas outras três achei peças de computador quebrado, ferramentas, fios... Coisas do meu pai. Já estava exausta, mas sabia que precisava chegar nas últimas caixas, as que aparentavam ser mais pesadas. Olhei para fora da janela. O sol já estava avermelhado, anunciando o fim de mais um dia. Foi quando achei, sem mesmo saber que o estava procurando. Em baixo de livros de filosofia, matemática e literatura brasileira estava meu livro de português da 5ª série. A capa surrada, as páginas cheias de orelhas, a contracapa riscada de caneta com meu nome. Larguei tudo esparramado e carreguei o livro pra área do lado de fora. Sentei no chão e, antes de lê-lo, olhei mais uma vez para o céu e para os últimos raios solares que tornavam as nuvens alaranjadas. Tantas lembranças me vieram à tona... Minha mãe sempre, desde a mais tenra idade, me incentivou a ler. Comprava livrinhos de desenho, poesia, historinhas... Lembro até hoje do “Pirilampo telegrafista”, da “Bruxa Onilda” e até de um livro em que se podia inventar o final. Dessa forma, na 5ª série eu já devorava qualquer coisa com letras que colocavam na minha frente. Nas aulas de português, quando a professora nos fazia ler em conjunto algum capítulo do bendito livro, eu já sabia de cor e salteado a história. O texto da lição catorze então, era o que eu mais gostava. Gostei tanto que, antes da professora nos passar, eu já tinha divulgado pra sala inteira o quanto era divertida a história em que um pastor alemão respondeu uma carta de uma família inglesa, que iria passar as férias na Alemanha, confundindo a abreviatura da palavra W.C., “water-closed” (significa banheiro), com a sigla W.C. (capela da religião inglesa White Chapel).
Engraçado... Acho que foi daí que eu comecei a querer fazer algo da minha vida que envolvesse leitura, pesquisa e escrita.
Voltei a fuçar o livro. Cada capítulo que eu abria me trazia novas lembranças... Cheguei ao último deles. Falava da linguagem jornalística e tinha um exercício intitulado “O repórter agora é você”. Li surpresa isso e fechei o livro. Dez anos depois das minhas aventuras literárias no ensino fundamental, eu faria meu Trabalho de Conclusão de Curso sobre linguagem jornalística. Incrível como, às vezes, passar uma tarde despretensiosa em casa nos faz encontrar fragmentos de nossa existência.
Quando eu me preparava para arrumar a bagunça que tinha feito, caiu do mesmo livro da 5ª série, um papel com a seguinte mensagem:

Meta
A gente busca

Caminho
A gente acha

Desafio
A gente enfrenta

Vida
A gente inventa

Saudades
A gente mata

Sonho...
A gente realiza!

(Autor desconhecido)