terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Reflexões de fim de ano

É inevitável. Chega ano, vai ano, e cada vez que o mundo está prestes a concluir a volta que dá em si mesmo, todos nós colocamos na balança o que passamos nos últimos 12 meses: alegrias, tristezas, conquistas, derrotas, além de novos planos e promessas para o ano que se aproxima. Pensando nisso, resolvi colocar aqui um texto do ano passado, o último que escrevi para o memorial do meu trabalho de conclusão de curso [o livro-reportagem Novos Traços: a inovação da linguagem jornalística, que escrevi com Neomisia Silvestre] na universidade. Apenas relendo este depoimento consigo fazer um paralelo com este ano. Para quem tiver paciência de lê-lo até o fim, boa leitura!
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As folhas que resistem ao vento

Uma semente é lançada ao vento e encontra terreno propício a fertilização. A chuva, o sol e o vento fazem com que o princípio de vida se enterre cada vez mais fundo e germine para os primeiros raios do sol. O pequenino broto, ao sentir o calor que emana do astro-rei se alimenta para seguir adiante com seu crescimento. A chuva dissipa a poeira e renova sua energia.
Como uma centelha de vida lançada ao vento, o encantamento pelo conhecimento atingiu-nos em cheio, tornando-nos apaixonadas pelo mundo das idéias e das palavras. E assim, escolhemos o nosso caminho: o Jornalismo.
Um caminho difícil, permeado por conflitos, incertezas e medos, principalmente o de falhar. Medo de não corresponder às expectativas que tantos depositaram em nós. Medo de trairmos nossos sonhos. Desde o fim de 2005, quando decidimos unir forças e inteligências para a construção de um livro-reportagem, fizemos um pacto silencioso: seria na confecção deste trabalho que provaríamos a nós mesmas nossa fé, coragem e potencial como agentes inteligentes da informação.
Seguindo o exemplo da natureza, fomos germinando a cada pesquisa sobre o tema e a cada descoberta crescíamos um pouco mais. Criamos tronco e nossas raízes foram se aprofundando, sedentas pela água do conhecimento. Quanto mais sabíamos, mais burras nos sentíamos e isso não mudou até hoje. Acredito que nunca irá mudar.
Este ano foi difícil, mas conseguimos dar conta dos vários trabalhos e do projeto de TCC no primeiro semestre. Vimos nosso “capitão” ser desligado da universidade junto com mais 37 professores. “Fundamos” o MSO (Movimento do Sem-Orientador), fizemos passeatas, manifestações e como resultado das ações do MSO, finalmente quando conhecemos nosso novo orientador, tivemos duas semanas de volta às aulas, extinção das orientações semanais de TCC e professores nos apontando no corredor, dizendo aos outros alunos: “Se eu fosse vocês, tacava ovos neles”.
Fizemos inúmeras reuniões com os alunos das demais habilitações de comunicação social, com o coordenador do curso e o Pró-reitor de graduação. Conseguimos que a coordenação revogasse a decisão de volta às aulas e obtivéssemos orientações semanais.
Passamos madrugadas em claro para cumprir os prazos. Se bem que é bom aprendermos a lidar com isto desde já, afinal, jornalista que se preza tem que conviver com o deadline pro resto da vida.
Nos inquietamos ao ver os ataques do PCC. Ao invés de corrermos desesperadas para nossas casas, como a maioria das pessoas estava fazendo, queríamos ir para a rua cobrir os acontecimentos, sentir de perto o que estava acontecendo. Nessas horas, cada uma repetia para si mesma: “Que droga de jornalista eu sou!”.
A frustração por ainda não trabalharmos no chamado “hard news” e vivenciarmos o “ser jornalista” nos atingia. E então, voltávamos para casa junto com as pessoas assustadas com os ataques dos mosqueteiros do crime. Tornou-se inevitável ouvirmos o trocadilho “PCC ou TCC?”. Ambos deixaram suas marcas terroristas em nossas vidas.
Em ano de eleições, vimos candidatos como Maluf, Clodovil, Frank Aguiar, Palocci, Enéas e Collor eleitos com grande quantidade de votos. Algo, no mínimo, bizarro.
Passamos por nossas eleições pessoais. Elegemos o estudo e o trabalho como prioridade para atingirmos nossas metas. Deixamos de lado todo o resto: família, amigos, primos, diversão e frivolidade. Por conta do TCC deixei de ver pessoas que eu amo e uma delas não estará mais aqui para eu me desculpar.
Nada foi fácil e, apesar de termos consciência que nos dedicamos ao máximo na realização do trabalho, não conseguimos afastar a idéia de que poderia ter sido melhor. É como se existisse uma vigilância interior que nos impede de falhar... Mas, bem ou mal, chegamos até aqui.
Por vezes, vimos a primavera acontecer no inverno. Fizemos coisas que muitos desacreditaram que conseguiríamos: “Nem tentem falar com o Jaguar. Ele não fala com ninguém”. E de repente, lá estávamos nós, conversando e rindo com o Jaguar. Ou “o Millôr é um velho ranzinza, também não fala com ninguém”. Mas nós conseguimos falar com ele. Tudo bem que foi por e-mail, mas conseguimos a entrevista!
Falamos com pessoas que nunca imaginamos que um dia falaríamos: Ferreira Gullar, Luis Fernando Veríssimo, Paulo Caruso. Aprendemos uma série de coisas estudando os textos dos dois primeiros, no ensino médio da escola.
Vencemos obstáculos geográficos e os da vida. Fomos a Paraty, participamos de uma mini coletiva de imprensa com apenas nove jornalistas, uma delas do Washington Post. Tivemos dificuldade para entender tudo o que Lillian Ross, a “avó do New Journalism”, falava, mas quando fomos apresentadas a ela, recebemos como resposta um risonho e sonoro: “Boa sorte para as novas jornalistas!”.
Ainda tentamos falar com Joe Sacco. Foi difícil arrumar o contato dele, mas não desistimos e, em um belo dia, conseguimos! Ele foi simpático ao responder o e-mail, aceitou conversar conosco, mas tinha que ser ainda naquela semana. Quando respondemos o e-mail marcando o dia e horário da entrevista (seria por telefone), ele não respondeu mais. Ele havia alertado que estava muito atarefado, talvez por isto, não tenha respondido novamente.
Tivemos flores no inverno, mas o vento gelado soprou na primavera. Quando finalmente terminarmos de escrever o livro e estava tudo certo para a diagramação, desde o dia 15 de outubro, a pessoa que tínhamos fechado para diagramar nos falou, em pleno dia 25, que não terminaria a tempo para a entrega no dia seis de novembro. Ficamos desesperadas, mas novamente não nos deixamos abater: conseguimos outro diagramador. Mandamos o material no dia 27. Dia 31 à noite, o livro já estava rodando na gráfica.
Nossas folhas resistiram. Chegamos até aqui. Sabemos que muitos ventos gelados ainda soprarão e que somente a persistência, a coragem e o amor por um ideal é que nos fará continuar resistindo.
E no que depender de nós, continuaremos firmes, caminhando dia após dia. Encerramos mais um ciclo, mas não paramos por aqui. Ainda temos que buscar energia para florescer e quem sabe, dar frutos.
A melhor, e mais difícil parte do caminho, começa agora.

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