quarta-feira, 9 de abril de 2008

O novo mal do século

“A síndrome de Ulisses”, de Santiago Gamboa, desterra vidas que imigram em busca de novas oportunidades*

Michele Prado

Doença psicológica provocada pela solidão e sentimento de fracasso é o diagnóstico da síndrome de Ulisses, mal que acomete milhares de imigrantes ao partirem de seu país em busca de melhores oportunidades.

No romance A síndrome de Ulisses, do colombiano Santiago Gamboa, a Paris dos subúrbios toma o lugar da Cidade Luz ao revelar a angústia dos viajantes, a maioria clandestinos, que vêem seus sonhos cederem lugar à dura realidade que os cerca. O jovem protagonista e narrador Esteban deixa a Colômbia para estudar na Universidade de Sorbonne e passa a ganhar a vida lavando pratos no porão de um restaurante enquanto cultiva o desejo de ser escritor.

O próprio Gamboa experimentou de perto essa realidade. Radicado na Europa há mais de 20 anos, deixou Bogotá para estudar em Madri e, logo em seguida, na França. Na ocasião em que esteve no Brasil, no lançamento do livro, afirmou, em entrevista, ser o livro um pouco autobiográfico. Segundo ele, para uma página parecer convincente é necessário que o autor tenha passado por certas situações que narra. Partindo dessa perspectiva, ele descreve o drama e até mesmo a beleza – por que não? – da vida longe da terra natal.

A cada vez que uma personagem adentra a história, surge um conto, recurso utilizado para descrever a trajetória daquele indivíduo como se fosse algo à parte, porém no contexto da narrativa. Existências intensas, guiadas pela sede de viver, tudo o que a vida oferece ou deixa de oferecer. O desejo de amar e ser amado, a saudade da pátria, o uso de drogas pesadas, a ingestão contínua de álcool, a avidez com que se entregam ao sexo e a cadência das palavras tornam-se expressões de um testemunho silencioso, pertencentes à pluralidade das línguas que se unem em busca de aconchego num país solitário.

O impulso mais nobre de todos, o desejo de ser escritor – o desejo que dominava minha vida –, era o impulso mais escravizante, o mais insidioso, e em certos sentidos também o mais corruptor, porque, refinado pela minha semi-educação semi-inglesa e ao deixar de ser um impulso puro, havia me dado uma idéia falsa da atividade da mente. O impulso mais nobre, naquele contexto colonial, tinha sido o mais castrador. Para ser o que queria ser, tive de deixar de ser ou sair daquilo que era. Para chegar a ser escritor tive que me desprender de muitas das primeiras idéias unidas à ambição e ao conceito de escritor que me tinha sido dado pela minha semi-educação.

Neste trecho de O Enigma da Chegada, de V.S. Naipaul, ganhador do Prêmio Nobel em 2001, o autor caribenho martela a cabeça do narrador em determinada passagem. É preciso partir do lugar em que nasceu e romper com o passado para tentar uma nova oportunidade? O que motiva essa busca? O que fazer quando sobreviver torna-se uma luta diária? A resposta para essas e outras questões só podem ser encontradas dentro de cada um de nós. No entanto, guiadas pela crença de dias melhores, milhares de pessoas continuam arriscando a sorte em terras estranhas. Se por um lado a permanência é sofrida, por outro o regresso às origens torna-se ainda pior: é a personificação da derrota.

“Vidas iluminadas pela intensidade de suas desgraças”, aponta o prefácio do livro de Gamboa. Cutucam o estômago, remexem feridas. É a síndrome de Ulisses.



A síndrome de Ulisses
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por Santiago Gamboa
Editora Planeta
376 pgs.
$39,90


*Publicado na Revista Paradoxo.

Um comentário:

Anônimo disse...

Hummm, me interessei. Quero saber como é essa coisa de um novo conto a cada nova personagem.